[Portuguese only, sorry]
Estava por aqui a escarafunchar os meus antigos textos, quando me apercebi que perdi a maioria. Sei que devo ter apagado grande parte deles, mas ainda consegui recuperar três dos muitos que escrevi nos anos anteriores (os únicos que chegaram de facto a ser publicados). Durante 2003-2005 escrevi uma série de Sete Manifestos, sete peças distintas de literatura de variados formatos, com a intenção de, bem, já não sei. Mas decidi partilhar um, o último da série. O formato foi completamente novo para mim e, na minha opinião, funcionou muito bem.
Sétimo Manifesto
"chego a casa as duas da manha depois de um dia cheio de trabalho abro a porta devagarinho para nao te acordar fecho a porta ainda mais devagarinho sacudo o guarda-chuva mas deixo-o la fora para nao te dar que limpar limpo os sapatos bem limpos no tapete que compraste la em berlim e empurro-os para um canto e vou para a cozinha encharcado preencher o vazio que sinto ca dentro e abro o frigorifico e ainda nao ha nada para comer e nos armarios tambem nao lentamente tiro a roupa molhada e deito-me no sofa a ver televisao um dois tres quatro cinco seis canais e nada que valha a pena desligo a televisao e oiço a chuva a cair e levanto-me para abrir a janela e deixo o pobre do gato entrar cá para dentro vejo um dois tres quatro cinco seis relampagos e fico na janela mais tempo do que queria mesmo sabendo que amanha celebras os teus magníficos trinta e cinco anos de idade mas desculpa se nao me importo ja sabes que te digo que te amo todos os anos e que te beijo na suave e pequenina testa aquando escorres uma lagrima azul e abres os braços esperançada e eu nao te ligo nenhuma e que volto para a cama ponho o despertador para as sete da manha e nao dou de comer ao animal e nao te dou um beijo de boa noite nem te ajudo a carregar as compras que ainda deixaste na cozinha e vens para a minha beira poes o braço a minha volta e tentas dormir sossegada sabendo que estou contigo - nao eu nao estou contigo e tu sabes bem disso e nao me importo se e o teu aniversario estou cansado de trabalhar no cafe todos os dias a mesma coisa clientes a queixarem-se do pingo estar morno ou do cafe sem açucar e a contar a vida toda desde o alpendre que caiu e os quatrocentos escudos que vai custar a reparar a mulher do joaquim que fugiu com a roberta e todas a noite fecho o cafe caminho pelo passeio onde violinos choram lagrimas musicais e as dez milhas que faço ate casa sao gastas apenas a pensar em ti no que eu te fiz no que eu te faço e no que eu te quero fazer porque novamente nao foste as compras ficaste a ver a telenovela mexicana mesmo quando o comando da televisao esta avariado e te deitas no sofa a olhar para aquela porcaria e no dia seguinte a mesma rotina e feita mas ja nao ha açucar e assim nao posso tomar cafe mas caminho para o trabalho as dez milhas como sempre a pensar em ti, no que te fiz no que te faço e no que te quero fazer - ainda nao compraste açucar e afinal o alpendre do almeida vai custar seiscentos escudos e a mulher do joaquim morreu atropelada mas eu julgo que tenha sido suicidio apos um duro filicidio e quando chego a casa sacudo o guarda chuva descalço-me devagarinho e caminho para nao te acordar vou para a cozinha ainda nao ha açucar mas sabes que mais nao me importo.
nao existes. e mesmo assim eu odeio-te."
ricardo magalhães, 2005 - a última peça escrita até hoje.
segunda-feira, 27 de agosto de 2007
Sétimo Manifesto
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literature,
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